26 de novembro de 2008

Com a Ajuda dos meus Amigos

Uma das obras-primas do escritor americano John Steinbeck (1902-1968), o livro Ratos e Homens é uma saga sobre a luta de dois sujeitos em busca do sonho americano, mas acima de tudo é um relato contundente sobre a necessidade atávica do ser humano de ter amigos. É o exemplo acabado de como a amizade pode ser uma das mais poderosas forças de transformação de uma sociedade. Ela é capaz de mudar trajetórias, encorajar decisões e iluminar pensamentos. É com os amigos que se espera comemorar um sucesso ou lamentar um fracasso. É com eles que valores, experiências e interesses são compartilhados sem cobrança ou obrigação. Com o apoio dos amigos, diz-se, tudo dá certo. O que sempre inspirou escritores, pensadores e filósofos passou a ser medido por estatísticas. Dezenas de estudos dos mais respeitados centros de pesquisa do mundo constatam que a amizade influencia de maneira ainda mais decisiva do que se supunha a vida pessoal e profissional de cada um. Está provado que um sólido círculo social é capaz de evitar doeças, amenizar o sofrimento, prolongar a vida, catapultar carreiras e até mesmo melhorar a forma física. […]



A maioria das pessoas passa no trabalho 70% do tempo em que estão acordadas. Quem trabalha fora, costuma conviver mais com os colegas e com o chefe do que com a própria família. Portanto, ter alguém com quem conversar, trocar confidências, pedir conselhos ou mesmo partilhar um olhar de cumplicidade faz toda a diferença. "Um amigo verdadeiro faz do trabalho um lugar muito mais tolerável", disse Rath a VEJA. Amigos têm a capacidade de inspirar e instigar o outro, seja para desenvolver talentos pessoais seja para fazê-los perceber as próprias habilidades. Estudos relevantes mostram que o chamado "efeito bebedouro", o ato de trocar opiniões com o colega fora da sala, é um grande manancial de idéias. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em um estudo com engenheiros, descobriram que 80% das novas sugestões são resultado de um contato ao vivo. A situação oposta tem efeitos negativos. A chance de quem não tem amigos no escritório se empenhar em um projeto é de uma em doze.

Quando fala em "grande amigo", Rath se refere a alguém com quem realmente se possa contar. Não é apenas o sujeito com quem se toma um café ou se faz uma piadinha sobre o chefe. É aquela pessoa para quem se pode telefonar e perguntar: "O que você faria nessa situação?". E que, com certeza, vai responder com sinceridade, mesmo que a opinião desagrade ao interlocutor. Essa ligação cria uma aura de segurança essencial para suportar as pressões profissionais. [...]

Assim, certas amizades nem tão íntimas ou intensas passaram a ter papel relevante no que se refere à ascensão profissional. É o que no jargão corporativo chama de networking. É uma maneira de as pessoas se ajudarem como ocorre em tantas outras esferas da vida. Contatos assim são fundamentais. Uma pesquisa da Catho com 18.000 profissionais mostra que 48% das contratações foram acertadas por meio da indicação de um conhecido. Outro levantamento, feito pela consultoria Lens & Minarelli, apontou que 70% das recolocações de executivos se dão pela mesma via. "Entre duas pessoas com o mesmo currículo e competência, certamente quem veio indicado leva vantagem", afirma Luiz Carlos Cabrera, diretor da consultoria de recursos humanos PMC Amrop International. O networking é diferente da amizade, mas também é oposto ao velho "QI" ("quem indica"), muito popular no passado, quando a burocracia sobrevivia à custa do apadrinhamento. Antes, bastava ter QI para conseguir um bom emprego. Hoje, tempos difíceis obrigam empresas a só contratar profissionais dentro do perfil adequado. [...]

As pesquisas mostram que, ao longo da vida, colecionam-se 400 amigos, mas mantém-se contato com menos de 10% deles. Em média, vive-se rodeado por trinta pessoas. Dessas, apenas seis são tidas como verdadeiros amigos. Adultos passam menos de 10% do tempo com os amigos. Crianças e adolescentes, cerca de um terço. Para a criança, os amigos da rua, do colégio ou do bairro são tão fundamentais na formação do caráter quanto a escola ou a família. Eles funcionam como um ponto de referência importante q ando se está formulando uma maneira própria de ver o mundo ou de enfrentar situações novas. De acordo com a psicóloga e consultora educacional Rosely Sayão, toda criança ou adolescente chegam a uma fase em que é preciso se libertar um pouco da influência direta dos pais e estabelecer diálogos com seus pares. Nesse período de busca pela autonomia, os amigos passam a ser o principal ponto de apoio. Jovens costumam viver em grupos, compartilhar penteados, opiniões ou a maneira de se vestir. Essa influência horizontal é conhecida nos Estados Unidos como peer pressure, um tipo de aprendizagem pela imitação. Claro que dependendo do grupo ela pode até se desvirtuar para uma má influência, mas de forma geral é saudável na estruturação da personalidade de um futuro adulto. [...]

E por que isso acontece? Cientistas sugerem dois mecanismos. O primeiro é comportamental: família e amigos estimulam a comer melhor, beber e fumar menos, exercitar-se mais e procurar médicos com mais frequência. É o que aponta outro dado do estudo do Gallup: se seu melhor amigo segue uma dieta saudável, a chance de você fazer o mesmo é cinco vezes maior. Além disso, o círculo social eleva a auto-estima, melhora o bem-estar e reforça os mecanismos de defesa em tempos difíceis. Em seguidos experimentos científicos, a presença de um amigo ao lado do voluntário diminuía o stress psicológico na hora de resolver questões que requeriam maior habilidade mental. [...]



Fonte: Revista Veja, ed. 1988, 27/12/2006.
Imagem 1: ~FreeBirD®~
Imagem 2: Elmer Baclagan Jr.

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